quarta-feira, 23 de junho de 2010

Homenagem ao meu lindo

Artigo sobre o primeiro transplante do pai. Mal sabíamos que essa trajetória ia exigir dele mais uma batalha...


Luiz Paulo Ruschel Daudt

Uma trajetória de sobrevivência, um exemplo de vida.

“Um passo difícil até a ressurreição”. A frase expressa o sentimento de Luiz Paulo Ruschel Daudt, ao relatar sua luta para a realização de um transplante de fígado. Movido por sua alegria de viver, determinação e apoiado por fortes laços familiares, enfrentou um ano de espera até a realização de sua cirurgia. Depois de vencer muitos obstáculos e enfrentar os sintomas causados por uma cirrose hepática, Luiz Paulo é o modelo de um pai de família trabalhador – ao mesmo tempo em que ocupa o cargo de chefe da rádio escuta na Assembléia Legislativa de Porto Alegre, mantém uma exemplar dedicação à família. Por ele a riqueza está no convívio familiar e na realização de um trabalho bem feito.

Seu pai Luiz Carlos Antunes Daudt era militar, faleceu general. Sua mãe, Ruth Nathália Ruschel Daudt lecionava Língua Inglesa. Luiz Paulo, que nasceu e sempre morou em Porto Alegre, completou seu primeiro grau na escola Presidente Roosevelt. De lá, concluiu seu ginásio no Colégio Militar e posteriormente na Escola Infante Dom Henrique. Fez curso técnico de máquinas e motores na escola Parobé onde já participava de política estudantil. Esse era o período mais rigoroso da Ditadura Militar, período do Ato Institucional número 5, entre os anos de 1968 e 1971. Nessa época, mudou seu turno escolar para a noite e escondido de seu pai trabalhou em seu primeiro emprego; como balconista da loja Lauro Loureiro Lima na rua Vigário José Inácio no centro de Porto Alegre. Parou de estudar e foi trabalhar na produção de cinema, período em que viajou muito.

Sem tomar conhecimento foi procurado em sua casa para depor muitas vezes, e ao não ser encontrado foi tido como se estivesse na clandestinidade. Ao retornar para sua casa, em agosto de 1972, quatro homens bateram a sua porta e ao identificarem-no o chamaram para responder algumas perguntas. Luiz Paulo foi interrogado, preso e torturado com choque elétrico, pau de arara , além de torturas psicológicas.

Haviam seis depoimentos obtidos à base de torturas que citavam seu nome por ter participado de movimentos secundaristas e Luiz Daudt foi tomado como peça articuladora entre diferentes movimentos de rebeldes.

Entre as torturas que sofreu lembra com certa mágoa o dia em que foi posto para dormir em uma cela após horas sendo espancado. Foi-lhe dado um poncho para que se cobrisse. Luiz Daudt diz: “não sei ao certo quanto tempo dormi. Acho que mal cochilei. Acordei sendo espancado pela turma do turno seguinte ao que me pôs a dormir por estar me cobrindo com o ponche do chefe deles”. Ele havia sido alvo de uma sacanagem que estava sendo realizada por uma rivalidade que existia entre os turnos.

Durante esse tempo, fora da cadeia a família de Luiz Paulo o procurava e a sua presença era negada. Sob muita pressão externa de sua família, que exercia de certo modo uma influência pelo fato de seu tio Alberto Ruschel ser um ator famoso e seu pai general, foi admitida a sua presença e realizada a sua libertação. Porém na ocorrência que lhe foi dada consta que tinha sido retido para depor e no mesmo dia liberado. Fato que não é verídico. Muitas das pessoas que foram presas como Luiz Paulo Daudt nunca mais foram encontradas. Hoje, se sabe, que muitas delas, foram mortas e jogadas no mar, o que talvez não tenha acontecido com ele graças ao empenho e prestígio de sua família.

“Eu era um idealista, acreditava que estava ajudando a salvar o Brasil e de repente fui tomado como bandido. Saí errante; desencontrado.” Essa frase expressa a fase vivida posteriormente por Luiz Paulo Daudt que continuou trabalhando com cinema mas hoje se avalia como “traumatizado e paranóico” naquela época. Entre outras coisas Luiz Daudt bebeu muito; revive o dia em que o seu filme foi exibido paralelamente ao festival de Gramado em que ele chegou a tomar uma garrafa de Whisky durante a solenidade.

Passou por uma fase de introspecção onde se voltou à filosofia e, em especial, a Nietzsche. Alguns anos depois, fez teste vocacional e foi apontado, entre outras opções, para área de comunicação. Fez curso pré-vestibular e começou a cursar a faculdade de publicidade na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – mais tarde se descobriu no jornalismo, curso em que posteriormente se formou. Na faculdade voltou a praticar a política estudantil, em um período que já era de Abertura Política e foi presidente do Centro Acadêmico Arlindo Pascoaline na Famecos. Foi também na faculdade que conheceu sua esposa, Rita Campos Daudt, com quem é casado até hoje e tem três filhos.

Começou sua carreira jornalística na Zero Hora como noticiarista, sendo promovido a redator, subeditor, editor, repórter especial e durante quase sete anos trabalhou simultaneamente na rádio Gaúcha como redator do Ipiranga. Depois que terminou o curso de jornalismo, voltou a estudar fazendo um curso de pós-graduação quando foi convidado a lecionar na PUCRS e a partir dessa nova incumbência, passou a freqüentar um curso de complementação pedagógica.

Foi mais ou menos nessa época, ano de 1982, que descobriu que sofria de cirrose e que posteriormente teria que fazer um transplante de fígado. Naquela época essa era uma cirurgia arriscada e sem perspectiva de uma sobrevida muito grande. A operação era usada nos últimos estágios da doença e esse não era o caso de Luiz Paulo que, como descobriu a doença cedo, conseguiu manter uma boa qualidade de vida durante muitos anos. Uma alimentação saudável, exercícios físicos e a ausência de bebidas alcoólicas mantiveram a doença estável por 21anos.

A cirrose é uma doença degenerativa do fígado e que não tem cura. Inevitavelmente, Luiz Paulo, começou a sentir as conseqüências de sua doença. Seu fígado não filtrava bem o seu sangue, surgiram varizes em seu estômago que estouravam e precisavam ser constantemente cauterizadas entre outros males. O grande problema do paciente que vai realizar um transplante de fígado é que além de ser um dos transplantes mais complicados - por ser um órgão com muitas terminações nervosas - é que o paciente, quando chega à mesa de cirurgia já está com seu corpo todo muito debilitado, aumentando muito o risco de complicações na cirurgia. E essas complicações em cirurgias desse porte são muitas vezes fatais.

Ao surgirem tais complicações, Luiz Daudt foi encaminhado à fila de espera transplantes. Seguiu-se, então, uma jornada de freqüentes consultas e exames pré-operatórios. Ele podia continuar trabalhando normalmente se a doença lhe permitisse, mas mantinha uma alimentação restrita e iniciou o uso de medicamentos com fortes efeitos colaterais; inclusive emocionais. Os familiares de Luiz Paulo foram auxiliados por uma Assistente Social, que fazia parte da equipe de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre, para que soubessem agir, compreender e acolher Luiz nas dificuldades de sua trajetória, inclusive nos perigos da reação de um dos remédios que tomava, pois levava muitos pacientes à depressão, irritação e às vezes até tentativa de suicídio. O remédio também causava esquecimento e era de incumbência dos familiares lembrarem os diversos horários em que ele deveria ser medicado. Além disso Luiz também estava imuno-deprimido.

A espera do órgão durou um ano. Em agosto de 2003, Luiz Daudt foi chamado. Em sua primeira ida ao hospital, o transplante não foi realizado pois é de praxe que se chame os dois pacientes compatíveis e respectivos da fila. No hospital se escolhe o mais adequado. Porém, umas três semanas depois, Luiz foi chamado novamente e dessa vez era o seu transplante o que seria realizado.

Um transplante muito bem planejado em hospital onde não haviam novidades para Luiz. Tudo o que ali aconteceria era de sua sabedoria, os papéis estavam encaminhados para seus familiares restou apenas assiná-los. Luiz Daudt tinha conhecimento inclusive do que aconteceria com o seu corpo, em caso de um fracasso no seu transplante, e quais poderiam ter sido esses fracassos, pois isso havia lhe sido descrito piamente em um contrato que ele teve que assinar. Sabia também como ocorreria o transplante em caso de esse ter sido realizado com sucesso.

No hospital o tratamento que é dado às pessoas que irão ser transplantadas é ágil. Raspagem nos pelos, raio x de pulmão, coleta de sangue venoso... Após todos os procedimentos estarem prontos, o paciente pode ficar o tempo que resta em um quarto do hospital com a família até a hora da cirurgia. Após, Luiz foi deitado em uma maca e segundo ele, “lá me fui como um carrinho de supermercado. Despedidas semi baqueadas dos familiares.”

O que aconteceu depois fica na memória de sua família, que pôde escolher dois de seus integrantes para levá-lo até a mesa de anestesia de onde Luiz comenta que teve seus olhos mareados de emoção por ver que a família já não poderia mais cruzar a porta pela qual estava entrando. Na sala de anestesia, Luiz descreve os troncos e cabeças dos médicos que o rodeavam como parecendo enormes, ele teve pouco tempo para pensar em algo nesse momento difícil, era mexido por todo o lado e logo foi anestesiado tendo como última lembrança a impressão de ter batido com a cabeça.

A família de Luiz sabia que o transplante duraria em torno de nove horas, porém tentou em vão, antes disso buscar informações do paciente. Apenas depois de essas exatas nove horas terem transcorrido, quando os familiares já esperavam notícias na saída do bloco cirúrgico, é que os médicos cirurgiões, um casal, lhes deram a notícia de que “a cirurgia do Sr. Luiz Daudt terminou, durou nove horas, ele está em estado regular. Estão fechando ele e após isso ele irá para UTI”, narra sua filha Ana Rita.

“O despertar significava um ainda estou vivo. Porém, foi cercado de dúvidas. Eu tinha apnéias durante o sono e foi-me posto um respirador que me sufocava. Aquele respirador virou para mim uma tortura e eu racionalmente não tinha controle do corpo, apenas da mente. Pensava em como dominar a dor, pois assim eu fazia há trinta anos atrás nas sessões de tortura. Porém eu me sentia derrotado, não conseguia segurar minha lucidez nessa situação que se tornava mais tensa e insuportável a cada momento.”

Luiz Daudt não tinha conhecimento, mas já tinha sido visitado por sua esposa e filha na UTI enquanto estava desacordado. Ana Rita narrou sua breve visita ao pai na UTI: “Estava com o respirador amarrado em sua boca com um cordão. Seus dentes e língua estavam aparecendo e sendo comprimidos pela corda deixando sua boca com uma aparência torta. Cheio de aparelhos, ouvia-se o sinal de seus batimentos cardíacos, e este, cessava por um breve espaço de tempo. Esses eram instantes de verdadeiro terror onde meu coração parecia parar junto com o mundo ao meu redor. Mesmo vendo após algum tempo que esse acontecimento era normal, a sensação era inevitável. A temperatura dele era de 37,6 e ele estava amarelo. Cada vez que eu olhava para o seu rosto me vinha a pergunta; onde está você agora? Sua expressão era ruim, como se fosse apenas um corpo ligado a aparelhos; vazio. Dentro de mim extravasava um desejo desesperado de que ele tomasse conhecimento de que estava tudo bem, de que estava vivo. Eu queria vê-lo em seu corpo novamente.”

O desejo de sua filha foi realizado, e após três dias na UTI, Luiz Paulo foi para o quarto, onde passou mais um mês se reabilitando e acostumando seu corpo a nova condição. Sua recuperação foi considerada muito boa dentro de seu quadro e, atualmente, Luiz Daudt já se encontra usufruindo de sua “segunda vida”. Voltou a trabalhar e leva uma vida praticamente normal.

Essa foi uma trajetória marcada por dois exemplos de sobrevivência. Se os ditos populares dizem que “o que não mata fortalece” Luiz Paulo Ruschel Daudt, duplamente fortalecido, é mais um exemplo para que essa sabedoria seja levada adiante.

Um comentário:

  1. Um exemplo de vida....amo muito essa família, e sei que tudo isso vai passar....
    FORÇA TIO...te amamos muitoooo
    titi

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